Heraldo Vitta

A Declaração Universal dos Direitos Humanos e a ‘construção cotidiana’ da Justiça

 

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, tornou-se um marco civilizatório na consolidação de valores fundamentais destinados à proteção da dignidade da pessoa humana. O documento, elaborado em contexto histórico de superação das atrocidades da Segunda Guerra Mundial, simboliza o esforço das nações em reconhecer que a preservação da dignidade individual é condição indispensável para a paz, para a justiça e para o desenvolvimento das sociedades.

A força normativa da Declaração Universal não reside apenas em seu caráter internacional, mas em sua capacidade de inspirar constituições, legislações internas e práticas institucionais. Entre seus princípios estruturantes estão a igualdade, a liberdade, a segurança pessoal, a proibição da tortura, o direito de defesa, o devido processo legal, a presunção de inocência e o acesso à Justiça. Esses valores, à primeira vista abstratos, possuem enorme impacto nas relações entre Estado e indivíduo, constituindo o alicerce de um sistema de justiça que se pretende equilibrado, humano e responsável.

No âmbito jurídico brasileiro, sua influência manifesta-se em diversos dispositivos constitucionais, sobretudo no artigo quinto, da Constituição da República, que consagra direitos e garantias fundamentais aplicáveis a todos indistintamente. Essa convergência reforça a compreensão de que o respeito aos direitos humanos não é tema restrito ao direito internacional, mas elemento intrínseco à estrutura do Estado Democrático de Direito.

Na prática cotidiana, esses princípios se materializam em situações concretas que exigem do operador do Direito sensibilidade, técnica e compromisso com a legalidade. No processo penal, por exemplo, traduzem-se na exigência de fundamentação adequada das decisões judiciais, na observância da legalidade das provas, na proteção contra prisões arbitrárias e no reconhecimento de que a liberdade é a regra, e sua restrição, uma exceção que deve ser cuidadosamente justificada. No campo do Direito Administrativo, refletem-se na necessidade de procedimentos transparentes, imparciais e proporcionais, assegurando ao administrado oportunidades reais de contraditório e ampla defesa. Em matéria civil e empresarial, estão presentes na busca por soluções justas, equilibradas e compatíveis com a boa-fé objetiva.

A trajetória profissional de qualquer jurista revela que a defesa dos direitos humanos não se limita à atuação em organismos internacionais ou a discursos solenes. Ela se manifesta na forma como nos conduzimos uma audiência, como examinamos uma prisão em flagrante, como avaliamos a legalidade de um procedimento disciplinar, como assessoramos uma empresa ou uma pessoa física diante de conflitos complexos, e até mesmo na maneira como escrevemos, argumentamos e decidimos. É na rotina, discreta e muitas vezes silenciosa, que se preserva — ou se viola — a essência da dignidade humana.

Por essa razão, o Dia da Declaração Universal dos Direitos Humanos não deve ser visto apenas como uma data comemorativa, mas como um convite à reflexão sobre a responsabilidade de cada instituição e de cada profissional que atua na área jurídica. Em tempos de transformações sociais, tecnológicas e legislativas, permanece indispensável reafirmar valores que servem de âncora para a democracia, para o equilíbrio e para a legitimidade das decisões estatais.

A proteção dos direitos humanos não representa obstáculo à segurança pública, ao desenvolvimento econômico ou à atuação eficiente das instituições. Ao contrário, ela fortalece a confiança social, orienta comportamentos e assegura que a busca pela Justiça não se afaste dos limites da humanidade. Trata-se de um compromisso permanente, que transcende ideologias, carreiras e circunstâncias.

Reafirmar a importância desses princípios é reconhecer que o Direito, em todas as suas áreas, tem por finalidade última a promoção da dignidade e o respeito à pessoa humana. Essa é a essência do Estado de Direito e o fundamento da própria ideia de Justiça.