Heraldo Vitta

Prisão preventiva no Direito Processual Penal: comentários à Lei nº 15.272, de 26 de novembro de 2025

A Lei nº 15.272, de 26 de novembro de 2025, promove alterações relevantes no Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941, que institui o Código de Processo Penal, especialmente no que concerne à conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva, à coleta de material biológico para formação do perfil genético do custodiado e aos critérios de aferição da periculosidade do agente. Trata-se de modificação legislativa que dialoga com debates sensíveis da política criminal contemporânea: a necessária contenção das prisões provisórias, o aprimoramento da investigação criminal e a superação das fundamentações genéricas que, por vezes, sustentam a segregação cautelar.

1. A conversão da prisão em flagrante em preventiva e as novas circunstâncias legais

O novo § 5º do artigo 310, do Código de Processo Penal, elenca um rol de circunstâncias que “recomendam” a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva, sem caráter taxativo. A partir de agora, o magistrado deve considerar, entre outros elementos, a existência de provas de prática reiterada de infrações penais pelo agente, a ocorrência de violência ou grave ameaça, a pendência de inquérito ou ação penal, a fuga ou o perigo de fuga, bem como o risco à tramitação do inquérito ou à instrução criminal.

Esse dispositivo não torna automática a prisão preventiva. Ao contrário, reafirma o caráter excepcional da medida, exigindo demonstração concreta da necessidade da custódia. O § 6º do mesmo artigo é claro ao determinar que o juiz deverá motivar e fundamentar a decisão, examinando obrigatoriamente não só as circunstâncias dos §§ 2º e 5º, mas também os critérios de periculosidade previstos no § 3º do artigo 312.

Do ponto de vista da defesa técnica, a alteração reforça a exigência de fundamentação concreta, permitindo maior controle da legalidade da prisão e ampliando as possibilidades de questionamento da motivação que se limite a fórmulas vazias ou referências genéricas.

2. Coleta de material biológico e formação do perfil genético: o novo artigo 310-A

A lei introduz, ainda, o artigo 310-A, que amplia as hipóteses de coleta de material biológico para formação do perfil genético do custodiado. O dispositivo dirige-se a casos envolvendo crimes praticados com violência ou grave ameaça, crimes contra a dignidade sexual, delitos vinculados à organização criminosa armada e infrações previstas no artigo 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990.

A coleta deverá ocorrer, preferencialmente, na própria audiência de custódia, ou no prazo de dez dias, e obedecerá a critérios técnicos rigorosos, com total respeito à cadeia de custódia. Parte-se de uma lógica de reforço investigativo, mas que exige constante vigilância da defesa para evitar abusos, violações à intimidade e desvios procedimentais.

Embora a legislação permita a coleta, permanece intocada a necessidade de proporcionalidade, adequação e respeito à dignidade da pessoa humana. Havendo ilegalidades formais ou materiais, abre-se espaço para impugnações específicas, inclusive quanto ao uso indevido do material genético.

3. Periculosidade e prisão preventiva: novos critérios e limites

A lei também altera o artigo 312, introduzindo um § 3º com critérios para aferição da periculosidade do agente — elemento frequentemente utilizado de forma abstrata para justificar prisões cautelares. Agora, o legislador exige que o juiz considere, entre outros fatores, o modus operandi, a participação em organização criminosa, a natureza e quantidade de armas ou drogas apreendidas e o fundado receio de reiteração delitiva.

Mais importante, talvez, é o novo § 4º: é expressamente incabível decretar prisão preventiva com base na gravidade abstrata do delito.

Trata-se de avanço significativo. Ao vedar a gravidade abstrata como fundamento autossuficiente, a legislação aproxima-se da jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a prisão cautelar somente se justifica diante de elementos concretos que indiquem risco à ordem pública, à ordem econômica, à instrução criminal ou à aplicação da lei penal.

Esse dispositivo fortalece a atuação da defesa, que passa a dispor de parâmetro normativo explícito para impugnar decisões genéricas, padronizadas ou baseadas em presunções não demonstradas.

4. Consequências práticas para a advocacia criminal

A reforma traz impactos imediatos para a prática forense:

a) reforça a necessidade de exame individualizado da conduta e da situação do custodiado;
b) impede que o magistrado fundamente a prisão preventiva apenas em referências vagas à gravidade do crime;
c) valoriza a audiência de custódia como momento crucial de avaliação dos requisitos legais;
d) amplia o campo para habeas corpus e pedidos de revogação da prisão preventiva quando constatadas fundamentações abstratas ou ausência de demonstração concreta de periculosidade;
e) cria novos espaços de atuação técnica quanto à legalidade da coleta de material genético.

Em termos gerais, a Lei nº 15.272, de 26 de novembro de 2025, busca reforçar a racionalidade da prisão cautelar, exigindo que a restrição da liberdade seja sempre excepcional, necessária e devidamente fundamentada.

5. Conclusão

A nova legislação representa um esforço de compatibilização entre eficiência investigativa e respeito às garantias fundamentais. Embora amplie alguns instrumentos do Estado, como a coleta de material biológico, o texto também fortalece as exigências de fundamentação concreta e limita o decisionismo punitivista que, não raras vezes, marca a prática forense.

Para a advocacia criminal, a alteração é terreno fértil para atuações técnicas mais refinadas, especialmente no controle da legalidade das decisões judiciais, no exame da periculosidade real do agente e na proteção do devido processo legal.

Independentemente das discussões políticas que envolvem matéria penal, o fato é que a nova lei recoloca a prisão preventiva no lugar que a Constituição da República exige: o de medida excepcional, sujeita a rigorosa fundamentação e ao permanente escrutínio da defesa.